segunda-feira, agosto 13, 2007

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,

enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


Carlos Drummond de Andrade

5 comentários:

Andre Viegas disse...

Q bonito...

E a vida se desenrola à minha frente, como um filme num espelho.

E o mais difícil é saber q não se pode rebobinar a fita e refilmar a história do jeito certo.

E como dar o primeiro passo para continuar uma história seccionada de maneira tão abrupta?

É preciso coragem.
É preciso vontade.
É preciso certeza.
É preciso saudade.

Mas o q não se precisa é dúvida.
É medo.
É silêncio.

Então vamos. Toquemos o barco.

Beijos e boa semana.

ideiasaderiva disse...

Sua capacidade de encontrar palavras novas, que são as mesmas, de achar outros formatos, que são os mesmos, me impressiona. Que encantamento de encontro, que encontro encantado!

"Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras haveremos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas." Maiakovski

Um beijo do Max

Denise Andrade disse...

Sabe André, eu acho que a vida é uma peça de teatro: não dá pra parar no meio quando há erros, temos que seguir em frente. E seguimos, e sempre há os momentos de aplausos.
Beijo.

Denise Andrade disse...

Ah! Max que delicado...
Bela surpresa esse seu comentário.
Beijo.

ideiasaderiva disse...

te entendi. te entendi.