domingo, dezembro 30, 2007

sexta-feira, dezembro 21, 2007

sábado, dezembro 15, 2007

Ah!

São três da manhã e não quero dormir. Fiz isso o dia todo. Cansei.
Mas o que eu queria agora era teu braço aqui. Bem na minha cintura. Só. Sem palavras.
Nem precisava de você. Bastava teu braço e o silêncio.
E esse sorriso no canto da boca que me denuncia! Feito um gato se espreguiçando.
Saboreando essa rejeição que (agora sei) é tua companheira.
Somos parceiros nisso.
Ah! Quanto a isso você não pôde fazer nada.
E faço: “...ah! Não pode fazer nada. Ah!”
Como se faz no fim de uma golada de Coca-Cola.
E releio “Quadrilha”. Se dor serve pra alguma coisa. Que valha!
Soube que degustamos a mesma ferrugem na língua.
O celular desligado.
O e-mail não respondido. O cumprimento burocrático.
O peito apertado pela espera espremida.
Conhecemos o roteiro que seguimos. Cada um por seu desejo.
Por isso rio.
Ah! Não se pode fazer nada. Posso sim! Rio. Há um sorriso aqui no canto da boca.
Que (claro) você não vê. Mas eu sei que essa ferrugem nos mastiga os dois.
Há nisso uma ironia tão fina que mal sustento.
E nessa descoberta mais dor se transfigura. No canto da boca.
Não! Não podemos fazer nada. Só fingir que isso serve pra alguma coisa.
Ah! Não posso fazer nada. Nem beber uma Coca-cola:
“princípio de gastrite”.
Aí tomo uns chopes na Lapa ou discuto os costumes cariocas ou questiono o comportamento masculino na contemporaneidade. Ou...
Depois de certa idade se torna fácil ter um “papo interessante”.
O difícil é distinguir se é mais um clichê.
Se tudo é vaidade.
São três da manhã e o tempo é tão grande que dá medo.
Tenho tempo demais.
Tô de férias. Que medo. Tenho que arranjar o que fazer. Ai que bom que é Natal! Muita promessa pra embrulhar. Muita espuma pra soprar. Muito buraco pra preencher.
É. Eu posso fazer: ”ah!” E rir. Da tua dor. Que é minha.
E que tenho gosto em compartilhar. E dor em testemunhar.
“Ah!”

quarta-feira, dezembro 05, 2007

É só isso que eu quero...

Ah! Que delícia, a Festa - Sarau "Fazendo Scena" foi.
Gestado a partir de conversas com amigos, sobre a falta de espaços para a exposição de trabalhos e da dificuldade em criar canais para trocas entre criadores e produtores, esse evento singelo cumpriu sua delicada função.
Foi uma festa mesmo. Foi um encontro entre amigos. Entre alguns que se fizeram amigos partir dali e houve até quem se reencontrasse depois de muito tempo.
Tive o prazer de cuidar de cada detalhe, de dedicar energia e de receber de volta o carinho de quem sabe (ou percebeu) a importãncia que tem pra mim estar no palco.
E tive também as expressões de surpresa de quem ainda não tinha me visto em cena.
Não por questão de testemunhar alguma virtuose teatral, nada disso, mas apenas por perceber um pouco da paixão que guardo (talvez difarço) atrás desse óculos e da discrição conveniente do dia-dia.
Caramba! Como estou feliz! Vi pessoas curtindo, dançando, se expondo, se abraçando, brincando...
Eu quero é mais. É só isso que que quero.
Feliz pelo acontecido como aconteceu. Me descobri mais forte diante das dificuldades, imprevistos e da companheira permanente: a timidez. Fecho esse ano com essa sensação: Posso fazer! Desse tamanho, desse jeito. Mas (já sei) posso.
Claro, rosas também têm espinhos, e fiz observações sobre o que devo ou não repetir na próxima vez. É, haverá a próxima vez!
Mas também confirmei uma intuição: tudo aconteceu num clima estabelecido por todos, quer dizer todos "fizeram a festa". Cada presença ali estabeleceu o que foi.
Como um mosaico.
"Pois de tudo fica um pouco" já dizia aquele com o qual descobri a poesia: Drummond.
E depois de tudo eu fico mais um pouco. Porque hoje sou mais um pouco de mim.
Que bom isso!

domingo, novembro 18, 2007

Festa - Sarau "Fazendo Scena"




Festa-Sarau
“Fazendo Scena”


A Festa-Sarau “Fazendo Scena” é um encontro entre criadores e produtores, a fim de aproximar esses agentes culturais, estreitando, assim, os laços entre aqueles que podem vir a ser parceiros em projetos futuros.
Tudo isso numa atmosfera descontraída, de alegria e espontaneidade, características típicas do Rio, da Lapa que nos remetem às origens do teatro, nas festividades dionisíacas, pois a festa é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição.
Valorizando o artista em sua diversidade, no seu desnudamento, no seu entusiasmo, no seu êxtase – seja como poeta, ou ator, músico, palhaço, pintor, fotógrafo, etc. –, “Fazendo Scena” abre as cortinas para que o artista exponha e divulgue trabalhos, em performances, de até 10 minutos, em livre expressão de idéias e sensações.

Dia 1º de dezembro, no Centro Cultural Recordatório
R. Joaquim Silva, 17 – Lapa. A partir das 22 horas.

Entrada: R$ 15,00
Inscrições para performances até dia 28/11: denipetra@gmail.com

Idealização e Concepção: Denise Andrade.
Produção Executiva: Denise Andrade, Élida Cândido, Wanderlei Lemos


Performances confirmadas:

Antônia Watts: “Memento d´Ângelo”
Denise Andrade: “Desencontros”
Élida Cândido: “A escada”
Fernanda Márcia: “Bonecos”
Valéria Gonçalves: “Dança do ventre”
Wanderlei Lemos: “Carrossel”

terça-feira, outubro 30, 2007

segunda-feira, outubro 29, 2007

RECOMEÇO

EU JÁ FUREI MEUS OLHOS

PARA ENXERGAR MAIS.

EU JÁ MIREI TUDO ENFIM.

LÁ FUI O REI!

CEGO, AVANÇEI, RECUEI, ME PERDI




ANTES, ACORRENTADO E FORTE,

MAIS HUMANO QUE DESPEDAÇADO,

RETIREI OS ESOMBROS.

MEU CORPO, EM FOGO,

ERGUI




AGORA , COM AS DORES E FERIDAS,

QUE INTUI,

LANÇO-ME COM VELOCIDADE

NO CAMINHO

QUE ESCOLHI

Mais um carinho de Alexandre Gonzaga (que forte Alexandre!)

segunda-feira, outubro 15, 2007

É. É mais fácil mesmo.

Olá! Que bom que está aí. Às vezes tenho a impressão.
Mas há a memória. Uma xilogravura no peito.

(Pausa)

Daí deve ser mais fácil mesmo. Sozinho
Agora as cartas não parecem mais (tão) ridículas.
Mas estão por aí. À procura de.

(sons de garrafas batendo umas nas outras)

Garrafas. Jogam tudo pelas ruas hoje em dia.

(Pigarro) Não tem-de-quê. A gente tem medo de dizer.
Tem pavor de dizer “vem cá”.

Silêncio

É, a gente tem muita coisa pra fazer. E todos os caminhos são os caminhos.
Mas o trem passa. Quando criança queria ser maquinista.
Já tenho o apito. A bola e o campo. Mas sabe, né? Não se joga sozinho.

(Sons de latas batendo umas nas outras).

Mas sozinho é mais fácil não fazer barulho.

Não acho que esteja muito calada.
Acho que gosto de te ouvir. Às vezes tenho a impressão.
Mas há a memória. Um eco que embala o sono. E aquece as mãos.

(sons de apito, rádio velho, sons de mudança de estação, ruídos de narração de jogo de futebol).

Sei desse negócio de extravagância. Um amigo meu pega táxi no dia do pagamento. Coisa de dez minutos. Depois faz o resto do caminho a pé. Faz bem pra saúde.

(Vinheta da "Voz do Brasil")

Eu quero é carona.
Eu quero todas as muletas. Quero todas as cotas ou “políticas afirmativas” que me sejam possíveis. Bolsas, subsídios e similares. Quero colo. “Quero maisi mamãe”
Abre a janela do teu trem aí.
Ah! É mais fácil sozinho.É mesmo. O fio do enredo. As peças do desmonte, né?
Às vezes tenho a impressão.
Mas há a memória.

(sons de plástico-bolha)

Tem gosto de bala Juquinha e.
Quando começo a estourar esse negócio não consigo parar.

Sobe o som de uma música (ainda a ser escolhida)

Rascunho inspirado em "Cartas à procura de garrafas" do meu amigo Máximo Heleno Lustosa da Costa, que pode ser lido em: http://ideiasaderiva.blogspot.com/

quarta-feira, outubro 10, 2007

quarta-feira, outubro 03, 2007

terça-feira, outubro 02, 2007

Bom te ver

Ah! Que bom te ver! Fazia tempo...
É engraçado como a memória nos protege da insipidez cotidiana.
Faço mil coisas, cumpro trezentas tarefas, parece que me esqueço, penso que me esqueço.
Me convenço que esqueço.
Mas se te encontro...
Me reencontro: sou um homem provisório, efêmero, inconsútil.
Todos os dias desisto de ti. Todos os dias preciso desistir.
Mas a memória me salva da desfaçatez íntima.
Tua sombra sépia me acompanha e reflete aquilo que me denuncia a mim mesmo.
E ao qual me rendo imediata e incontestavelmente.
E admito que o tempo tem vida própria dentro de mim. Ele fica sentado me vendo passar. E se ri de mim se por um acaso, coincidência, infortúnio ou fortuna confirmo o relógio parado. Enquanto escrevo atendo telefonemas, envio e-mails, pesquiso sobre os quarenta anos da morte de Che Guevara, opino sobre a roupa da minha colega de trabalho, faço contas, faço planos nos quais não há tua presença, decoro um texto que li contigo. E colho a Rosa da terra queimada que plantaste em mim num crepúsculo que (eu sei) só eu lembro e releio as confissões virtuais em letras minúsculas guardadas em pasta com teu nome.
Ah! Que bom te ver! Faz tantos dias e foi ontem. E estou lá. E estou aqui.
Mas não podes me ver, me saber, me ler. Não há como. Por mais que me mostre.
Por mais que eu te mostre minha ausência.
Que bom te ver assim como em ondas que vêm e te trazem e logo te levam dissolvido na minha memória.
Mesmo que essa tua saudade não possa ser derramada por mim.
Bom te ver.

quinta-feira, setembro 27, 2007

quarta-feira, setembro 26, 2007

A CADA ESTAÇÃO

LÁ VAI O TREM QUE INSISTE EM NÃO PARAR,

LÁ VAI O TREM QUE NÃO TEM HORA PRA CHEGAR.

AS LEMBRANÇAS DE MENINO?

FICARAM NO FUNDO DA MALA SEM FUNDO.

AS DE BEM MOÇO SÃO PAISAGENS LÁ ATRÁS.

AGORA, A VIAGEM É DOCE.

ESTOU ONDE DEVERIA ESTAR

E NO RITMO QUE VOU

TÃO CEDO NÃO QUERO CHEGAR.

LÁ VAI O TREM, LÁ VAI O TREM, LÁ VAI O TREM .

QUE INSISTE EM NÃO PARAR.

De Alexandre Gonzaga meu colega de teatro e parceiro nas palavras.

sexta-feira, setembro 21, 2007

sexta-feira, setembro 14, 2007

Sem que nem mesmo você saiba

"Tenho pensado sobre as sensações que me assaltam durante minhas viagens diárias do trabalho até minha casa. São sensações que oscilam entre a coragem e o medo; o ânimo e a timidez; a iniciativa e a inércia; E quando penso nesse pêndulo em que me tornei, me vejo flutuando por sobre as pessoas, os lugares, os pensamentos.
Fluida e etérea.
Sou elástica: vou e volto sem sair de mim.
Capturo por segundos o (teu) olhar que desejo e o guardo na memória.
Assim ele é meu sem deixar o lugar onde está.
É meu sem que nem mesmo você saiba.
Sinto uma solidão de um azul tão profundo que me abraça, me acaricia e aprisiona.
E aceito esse colo pela conveniência da rotina segura.
Aqui aprendi a conjugar a vida no futuro do pretérito.
Uma espera passiva por algo que, ao não acontecer confirma a espera.
Minha história é uma fotografia em cor sépia.
Esmaecida, amarelada.
Meu gosto é gostaria.
Minha vontade é só torcida.
Minha eloqüência é esse silêncio que ninguém decifra.
E mesmo assim aqui estou. Parada. Perto. Pronta.
E anseio, observo, busco em sua expressão cansada um fio de esperança, de ilusão de que você seja a exceção que procuro e que (por isso) me paralisa".


Texto inspirado na personagem "Senhora" da peça "Mais Um" do dramaturgo paulista Cássio Pires.

quarta-feira, setembro 05, 2007

segunda-feira, setembro 03, 2007

Aos poucos


Abra
minha boca
Traga
esse sopro frágil
Me asfixia

sexta-feira, agosto 31, 2007

terça-feira, agosto 28, 2007

Sempre ou do contrário não serve

Todo amor que houver!
Todos
Todo.
Inteiro
Integral
Infinito.
Pra sempre. Nesse momento.
Eterno. Agora.
Aberto.
Exposto.
Entregue.
Rasgado
Flagrado.
À flor da pele.
E do olho
Que transborda.

terça-feira, agosto 21, 2007

segunda-feira, agosto 20, 2007

Sábado de sol

Sábado de sol. Muito sol. De um céu de Magritte tão absoluto que é impossível ficar em casa reclamando do inevitável passar dos anos. Foi o tempo que me trouxe aqui, que me fez ser o que sou hoje.
Portanto mesmo negociando com a preguiça, com a tendinite patelar (companheira de anos) e, claro, me convencendo de que a distância entre minha casa e a Cidade dos Esportes é pequeno detalhe, decidi assistir a alguma das finais do Parapan.
E estou aqui nesse lugar onde definitivamente medalha é mero objeto simbólico de vitórias diárias não contabilizadas. Conquistas pessoais, obstáculos vencidos, limites superados que fazem parte da história de vários dos aqui presentes, tanto atletas quanto platéia.
E eu aqui rindo à toa por testemunhar um clima raro de paz e liberdade entre os que circulam pelas arquibancadas, corredores e rampas. Todos querem comemorar a vida. Só. Só?
E estamos aqui no meio das matracas, cornetas e batuques que esquentam o coração do torcedor mais esforçado em ser discreto, como eu. Isso em plena decisão do basquete masculino entre Brasil e Argentina. Impossível ficar parado.
Então o gelo vai irremediavelmente derretendo e me vejo de repente no meio do estádio gritando: éeeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhh Brasil! E levantando obedientemente ao comando do animador de platéia (profissão do futuro?) os braços na ohla.
E, claro, arrastando Djair que nesse instante só quer saber de detonar o sacão de pipocas que é (era) nosso. Ele embarca na brincadeira encantado com a multidão (quase) sincronizada.
De repente uma chuva de gaivotas de papel em todas as direções: as crianças do seu jeito participando da festa. O olho de Djair salta ao assistir o menino da cadeira de baixo lançar seu modelo fabricado ali na hora. Nem pisquei: lá se foi uma das páginas de um texto que eu estava decorando. Nas mãos desse cara que me surpreende sempre, essa gaivota ganha asas inimagináveis e rodopia livremente até cair na cabeça de uma menina que ri (como se tivesse sido sorteada) e o envia mais pra frente. Logo aparece muita matéria-prima (prospectos de divulgação) extremamente útil ao engenho de nossos Pequenos Príncipes de última hora. Uma menina de óculos pede ajuda para finalizar seu protótipo e assim ele possa voar mais longe, então acompanhamos, eu e ela, as mãos ágeis desse meu irmão que se me revela diariamente.
Inúteis os apelos dos organizadores e olhares recriminadores de alguns adultos.
Eu, em outra ocasião, provavelmente concordaria com as ordens de manter a ordem, mas diante daquele sorriso, minha rendição era certa, incondicional e voluntária.
E nós assim simplesmente experimentando. Nos permitindo. Sem preocupações, elocubrações, divagações, explicações, justificativas.
Nem quero saber se esse evento como qualquer outro vai ser usado na propaganda política da campanha eleitoral do ano que vem. Nem quero saber, porque já sei que vai, mas nesse momento sou apenas mais uma pessoa aqui igual a todo mundo.
Nesse momento com a alma mais leve num fim-de-tarde de inverno, quando Djair me mostra o pôr do sol, o que eu sei é que isso tem nome.
Isso é felicidade

segunda-feira, agosto 13, 2007

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,

enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, agosto 07, 2007

segunda-feira, julho 30, 2007

segunda-feira, julho 23, 2007


Ainda

Quase duas semanas sem postar!!!
O Café fechou para tratamento intensivo. Foi acomentido por uma enfermidade em suas células:
alteração no seu html. Causada por minhas pesquisas cibernéticas. Dez dias de CTI, soro na veia, balão de gás, consultas e exames. Até que Marcus (agora pra mim Dr. Marcus!) entrasse em ação com precisão cirúrgica.
E o que houve com o mundo?
Está mais rápido ( em torno de 150 Km por hora em pista escorregadia?) e mais quente (cerca de 1000 graus Celsius?) e mais triste.
Bem que a gente tenta fazer graça com nossas intempéries particulares, mas situações inesperadas que ocorrem assim com (duas centenas !!!) desconhecidos (iguais a nós) nos abocanha e mastiga.
Tritura a alma que repousa num corpo cansado. Pela primeira vez na minha vida posso oferecer a meu pai uma viagem de avião (que a gente julga confortável) até a terra que guarda suas aventuras de menino com as rolinhas que lhe acarinhava o estômago. E agora tenho que esperar essa fraqueza passar.
Mal cheguei à classe média que até pouco tempo nem conhecia e me vejo contagiada por seu modus vivendi.
Medo de sair à noite? Dos meninos jogados nas ruas? Necessidade de comprar o que nem sei se preciso. Malabarismos bancários subseqüêntes. Tédio crônico. Discussões metafísicas na mesa do bar que sabemos, não levarão a nada mais do que à sensação de que temos capital cultural suficiente para sustentar uma esplanação recheada de citações acadêmicas.
E tudo é vaidade. Claro! Nós somos os "oclinhos", estamos antenados com o look, a música, o filme, a peça, o livro que devemos conhecer. Fazemos fila na porta do Odeon, na Cinelância, pra que todos testemunhem o quanto somos cultos. Se for filme mostrando preto, pobre ou doido então, aí é o ápice. Gozo geral (arte-terapia? Pulsão de morte? Grotesco medievo? Circo romano?). Somos agentes conscientes, cidadãos participantes. "Pagamos impostos". Temos a língua afiada contra essa endemia que infecta o país, uma virose que se retro-alimenta, como um parasita que precisa de um hospedeiro.
Um câncer que se fortalece da vítima que se lhe oferece em sacrifício.
Essa moléstia que está aí: corrupção que sufoca qualquer esperança. E que só cresce.
Porque nós não fazemos nada! Não paramos o mundo, ficamos preocupados quando o trânsito fica lento, porque precisamos cumprir tarefas, horários, agendas, compromissos.
Trabalhar mais pra comprar mais.
Garantir um futuro que nem mais a Deus pertence.
E o que fazer?
Diante desse cenário fazemos escolhas, escalas, escolas.
Ainda leio, ainda paro, respiro. Ainda me aparecem Isabella, Luísa, Melissa, Leonardo, Giovanna.
Quê que eu falo pra eles? Até agora eles é que têm me dito muito. Sem traduções racionais.
Ainda conheço "Mais Um" de Cássio Pires. E os surpreendentes encontros que essa descoberta proporcionou. Ainda ... Reajo. Escrevo ( e vale?)
Ainda (às vezes) fico feliz.

domingo, julho 22, 2007

terça-feira, julho 10, 2007

sexta-feira, junho 29, 2007

Caminhos




Sei
a saia seca
no varal

Certo
O soco cego
no umbral

Sim
Um circo aceso
Um embornal

Sigo
Sozinho saio
de meu quintal



quinta-feira, junho 28, 2007



Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Os poemas - Mário Quintana. Esconderijos do Tempo.

segunda-feira, junho 25, 2007




Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora


Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Trechos de Os Estatutos do Homem de Thiago de Mello

quinta-feira, junho 21, 2007

Dom Quixote de Salvador Dalí

terça-feira, junho 19, 2007

Abraço e abrigo

Certo, certo. Isto é um blog. Ou um diário, melhor dizendo - para seguir os conselhos do Mestre Ariano Suassuna - este cavaleiro que aos oitenta anos se renova como defensor da cultura genuinamente nacional.
Isso em tempos de globalização.
E para manter um diário virtual “atualizado” nada como recorrer ao revolucionário método de inspiração instantânea conhecido como “copiar e colar” que adotei nessas últimas semanas para manter o Café Noturno movimentado.
Afinal incrementar o próprio espaço com os textos dos outros é refresco...
E que “outros”.
Então permaneci muito bem acompanhada por Carlos, Arnaldo, Marina, Clarice...
No entanto, hoje, depois de quase um mês sem mexer a pena, (ou o teclado), e tendo já saciado a meninice com a gincana proposta por uma amiga de manter o diário agitado com artigos sobre o amor, eis que novamente arrisco compartilhar impressões e palpites.
E estou em estado de graça.
Sob impacto de Brecht, Beckett, Ariano e Tadashi Endo.
Tudo ao mesmo tempo agora aqui dentro fervilhando e transbordando em histórias que quero contar ao pé do ouvido.
Nunca tive tanta certeza como hoje de que devo alimentar dúvidas necessárias.
Brecht convida à ação, à luta, ao despertar da consciência.
Provoca, perturba, sacode, puxa pela gola da camisa, questiona, grita, busca, alcança, olha no olho: “e você o que pode fazer pra mudar essa realidade?”
“Qual é o seu papel nessa situação?”
Beckett apresenta a inércia, a letargia, lassidão. Catalepsia coletiva. O silêncio.
O imobilismo. A ausência. O vazio. O deserto. O ar em suspensão. O labirinto.
O olhar em soslaio que constrange sem qualquer palavra.
Um, a convocação. O outro a indiferença (?).
Um, a exclamação. O outro, a reticência.
Um, a interrogação. O outro, ponto-parágrafo.
Em ambos, o lirismo. A beleza. A condição humana. O Homem e sua relação com o poder.
O poder que há no Homem, para a transformação e para a destruição.
Margens diferentes de um mesmo rio. Eu quero deitar nessas margens.
Beber desse rio.
Nunca tive tantas dúvidas quanto a certezas indissolúveis.
Quanto ao discurso único.
E Ariano? Só os artistas dispensam pronomes de tratamento relativos à idade ou condição social. E por isso posso chamar este senhor com jeito de avô que conta histórias pra gente dormir, pelo primeiro nome. E posso babar, na fila do gargarejo em palestra de fim de tarde.
E ter menos medo, (ou pudor), do que há de quixotesco em mim. Ainda há espaço pra delicadezas e altruísmo. Ainda há tempo pra mãos abertas e olhares estendidos.
Ainda há abraço e abrigo.
Não, não é o fim da História. Mais que nunca hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!
E Tadashi Endo. Este senhor japonês de sessenta anos de idade, com corpinho de vinte e alma milenar. Bailarino, coreógrafo e diretor do Mamu Butoh Center, Tadashi dirigiu o espetáculo
Shi-zen, 7 cuias do grupo Lume e com ele recebeu duas indicações ao Prêmio Shell.
Agora Tadashi vem comemorar seus sessenta anos (inacreditáveis!!!).
Com uma série de apresentações viscerais, intestinais, uterinas (??!!!)
Olhos e bocas, músculos e tônus. Força que traduz delicadeza.
Virtuosismo? Que seja. Ele sabe o que faz e pra quê faz. E transborda, nos alcança e constrange por nosso modo blasé ocidental. E por isso mesmo nos encanta.
Movimentos mínimos, precisos, e, intensos. Tesão e carinho.
Estes senhores são os pilares que tornam a vida suportável.
Não preciso de droga. Não é discurso moralista, é confessional. Gostaria que mais pessoas os conhecessem...
Nunca tive tanta certeza quanto à resposta para a questão: Por que fazer arte?

Para existir.

segunda-feira, junho 18, 2007

sexta-feira, junho 15, 2007

Outras Pessoas: Arnaldo



Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão.
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano.
Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante.
Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, nem no ódio vocês combinam.
Então?
Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha.
Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga.
Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim, você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar.
Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso.
Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

Crônica de Amor - Arnaldo Jabor

quinta-feira, junho 14, 2007

Outras Pessoas: Carlos

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


As sem-razões do amor - Carlos Drummond de Andrade

http://img.youtube.com/vi/PgQalo1T5ZU/2.jpg

quarta-feira, junho 13, 2007




Outras Pessoas: Marina

Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata
para o meu pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

Corpo adentro - Marina Colasanti


Jogo o tempo
na água
E ele
nada.

Constatação Metafísica - Marina Colasanti

terça-feira, junho 12, 2007


Outras Pessoas: Artur

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil.
Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar.
Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

Ter ou não ter namorado: eis a questão de Artur da Távola.

segunda-feira, junho 11, 2007



Sem Título - Clarice Lispector

Outras Pessoas: Clarice

Mas há a vida
que é para ser intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Mas há a vida de Clarice Lispector.


Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo.
Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar.
P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
"PRECISA-SE" de Clarice Lispector

quarta-feira, junho 06, 2007

terça-feira, junho 05, 2007

Outras Pessoas: Brecht

Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário.
E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."


Nada é impossível de Mudar

"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar."
O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo



Contra a sedução

Nunca se deixem seduzir
Não há caminho de regresso
Penetra o dia pelas portas
Durante a noite o vento sopra
Mas a manhã não volta mais.
Nunca se deixem convencer
De que esta vida vale pouco
Bebam a vida em grandes goles
Então verão que ainda foi pouco
Quando tiverem de a deixar.
Não vivam nunca de esperar
O tempo é muito limitado
Deixem mofar os incapazes
O grande bem é a própria vida
Vive-se apenas uma vez.
Nunca se deixem enganar
No mundo há fome e servidão
Qual o motivo de ter medo?
Como animais os homens morrem
E após a morte não há nada.



Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


Os que lutam

"Há aqueles que lutam um dia e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis."

segunda-feira, junho 04, 2007


Outras Pessoas: Álvaro de Campos

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa

Estou cansado de Álvaro de Campos

sexta-feira, junho 01, 2007

quinta-feira, maio 31, 2007

drummondrummondrummond

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.



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Cidadezinha qualquer


Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.


Eta vida besta, meu Deus.


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Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

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Cota zero

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?


Trechos de Alguma Poesia de 1930.

segunda-feira, maio 21, 2007

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Ferreira Gullar

quinta-feira, maio 17, 2007


Desmaio de íris

Fastio de verbo

Soslaio de alma

Desmaio de íris

Por oclusão d’ aorta

Reticências das mãos

Abandono do verso

Na elipse da boca

Ausência do existir

Por ressecamento do miocárdio

quarta-feira, maio 16, 2007

sexta-feira, maio 11, 2007


A última do pódium

Você é o nada que que me pesa às costas
O vazio que faz volume
A ausência que me faz sombra
num dia de sol
O espectro que me imobiliza
A indiferença que incendeia meu estômago
A eloqüência do soslaio convincente
Que grita a negativa no meu peito surdo

A reticência que vaticina
As lacunas do discurso frágil
O avesso do diálogo fluente
O solilóquio febril resignado

O cumprimento civilizado
Das mãos sadicamente delicadas

O silêncio que permeia a dor
A última do pódium
Transfigurada na máscara pertinente
Que me transborda pela retina
E que alimenta o murro ensaiado
Abortado em mim
E nem suspeita

terça-feira, maio 08, 2007


Poética

Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expedienteprotocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionárioo cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amanteexemplar com cem modelos de cartas e as diferentesmaneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare—
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Manuel Bandeira

sexta-feira, maio 04, 2007


Quem matou Juliana?

Quem matou Juliana?
Quem matou Juliana Pereira da Silva, de 23 anos? E Vladimir Novaes de Araújo, de 28 anos?
E Cláudio Matias da Silva, de 11 anos, e Alana Ezaquiel, de 12 anos,
e Clarisse Alves Mesquita, de 26 anos, e Franklin William Pereira da Silva, de 16 anos,
e Vanessa Calixto dos Santos, de 24 anos, e Eugracinha Rosa Martins, de 71 anos, e seu filho Antônio Martins, de 42 anos, e Acácio Valentim de Souza Menezes, de 2 anos e mais as dezenas de pessoas dissolvidas pelas bocas que escarram projéteis de AR-15, AH-K e outros modelos do arsenal produzido pelo incrível desenvolvimento tecnológico forjado pelo engenho humano.

Enquanto escrevo a Penha ferve em sua guerra civil particular.

Um estudo inédito conduzido pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, divulgado no fim de março, analisou registros de ocorrência de homicídio e lesão corporal feitos em todas as delegacias do estado no ano de 2006 e identificou 224 vítimas de balas perdidas, sendo 19 fatais e 205 não fatais. Os 19 mortos representam 0,4% dos homicídios por arma de fogo no estado.
No mês de janeiro de 2007, foram contabilizadas 31 vítimas – três fatais e 28 não fatais –, que representam uma média de uma vítima por dia.
Notícias de jornal ajudaram os pesquisadores a localizar os registros.

Quem matou Juliana?

O paulatino sucateamento que tem engolido a rede de saúde pública desse país?

Levada para o hospital Albert Schweitzer, em Realengo, Juliana ficou cinco horas esperando por uma cirurgia que não aconteceu. “Não tinha nenhum cirurgião vascular ou geral lá. Só deram bolsa de sangue. Ela ainda resistiu muito tempo. Ontem [26], a médica legista disse que ela não morreria se tivesse tido o atendimento certo”, afirmou Thiago Madeira, namorado da vítima. (http://g1.globo.com)

O Corpo de Bombeiros resgatou 2300 pessoas baleadas em 2006.
Quase metade dos feridos (1095) morreu antes de chegar ao hospital.
Nos três primeiros meses de 2007, o Hospital Getúlio Vargas, na Penha, recebeu 131 baleados. Desses, 50 morreram. (http://g1.globo.com)

Em outubro de 1998, Fernando Henrique Cardoso é reeleito para mais 4 anos de governo. Tendo em vista a crise econômica vivida pelo Brasil e por outros países “emergentes” o governo FHC aumenta ainda mais os juros para beneficiar os especuladores internacionais e propõe para o povo um ajuste fiscal prevendo a diminuição de verbas para o orçamento de 1999, inclusive na área de saúde. O corte previsto nesta área foi de cerca de R$ 260 milhões. A propósito desta redução o Ministro da Saúde, José Serra, divulgou um comunicado com o seguinte teor: “entre 1994 e 1998 o gasto com saúde, em relação ao PIB, caiu 12,4%. O total das outras despesas, no entanto, subiu 22,6%. Em valores constantes, as despesas da saúde aumentaram 17,9% enquanto as outras despesas do orçamento, em seu conjunto, cresceram 56,2%”.
A mesma nota do Ministério afirma sobre o CPMF que: “a arrecadação do CPMF cobrada a partir de 23 de janeiro de 1997 não beneficiou a Saúde.
O que houve foi desvio de outras fontes, ou seja, a receita do CPMF foi destinada à saúde mas foram diminuídas as destinações à saúde decorrentes de contribuições sobre os lucros e do COFINS”. (extraído da FOLHA DE SÃO PAULO, 6/11/98, p. 4)

HISTÓRIA DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Uma pequena revisão
Marcus Vinícius Polignano
http://internatorural.medicina.ufmg.br/saude_no_brasil.rtf


Quem matou Juliana?

A crise de valores? O estilhaçamento da moral que alcança gente de vários calibres?
O vazio de ser dos meninos de nossas ruas?
O vácuo ético de desembargadores em seus gabinetes?

A falta de fé? Fé. Munição dos cristãos da Teologia da Libertação e dos comunistas ateus apaixonados, fervorosos pela causa da revolução do povo, que nos anos 70 preenchia buracos na alma de jovens crentes em seu poder de transformar o mundo?

A ausência de um desejo coletivo que promova o sentimento de pertencimento, de identidade, e de solidariedade de uma juventude que aprendeu desde cedo a apertar botões e comprar seus sonhos via internet em 10 vezes sem juros no cartão?

O esvaziamento deliberado e compulsório, por meio da mídia, da vontade de ser sujeito pela conveniência de ter (mais um) objeto?

“A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?”

“Os projéteis se fragmentam pelo corpo, a ‘dum-dum’ sai rasgando veia, carne, osso, tudo”.

Já somos a geração bala-perdida. A geração-farelo. Poeira de gente. Migalhas do ser.

Quem matou Juliana?

E a nós? Quem matou? A inércia, a pressa, o emprego, o desemprego, o cansaço, o consumo, a conveniência, a conivência, o abono? O abandono de nós mesmos?

Quem matou Juliana?

Nós? Com a letargia, o silêncio, o soslaio, a omissão, os queixumes, a ordem e os bons costumes, o condomínio, a rotina, a solidão, o isolamento?
O abandono de nós mesmos...

sexta-feira, abril 27, 2007

terça-feira, abril 24, 2007

sexta-feira, abril 20, 2007

Sopro

Sopro (ô). (Dev. De soprar.). S.m.
1. Ato ou efeito de soprar. 2. Ato de expelir com alguma força o ar aspirado. 3. Movimento de ar expelido pela boca. 4. O ar expirado; bafo, hálito. 5. Agitação do ar, viração, aragem.
6. Miasma, exalação. 7. Som, ruído. 8. Ruído ritmado que lembra a respiração.
9. Gases em ignição.
10. Fig. Influxo, influência, força.


Sopro: Espetáculo teatral criado por Carlos Simioni, Tadashi Endo e Denise Garcia, integrantes do Lume, grupo de teatro de Campinas, São Paulo.
Em temporada carioca, o Lume Teatro nos tira o fôlego, nos deixa em estado de suspensão permanente a cada movimento de seus atores-pesquisadores, que investigam e apresentam as possibilidades do corpo do ator em cena.
E o Sopro, com direção de Tadashi Endo, é Carlos Simioni na plenitude dessa proposta: uma ligação direta entre ator e platéia, sem qualquer subterfúgio. Sem qualquer disfarce ou desvio.
E nós ali acompanhando as fases da vida em ações mínimas e eloqüentes.
Delicadas e contundentes. E nós ofegantes.
“O ar por dentro do corpo. Corpo rasgado por dentro”.

Sopro. Filete de ar. Brisa. Um diálogo. Uma música. Um sorriso. Alívio. Lenimento.
Metamorfose metabólica.
Surpresas várias me trazem estes dias de abril em outono tímido.
Idas e voltas esperando um Godot que me habita. E que descarto. Dispenso. E... Anseio.
Beckett em fúria no frio desse vento que me alcança.
Alísios que me abraçam. Me levam para regiões inóspitas. Inabitáveis.
Me estranho. E me ausculto. Sopro. Anfórico. Ouvido a distâncias estratosféricas.
Metamorfose metabólica
Tufão orgânico que redesenha caminhos insólitos em arquejos e suspiros.
Tempestades e calmarias que se revezam pelas variações de temperaturas.
Gerando instabilidade no período.
Tempo parcialmente nublado a ocasionalmente claro com possibilidade de chuva (gosto dos dias de chuva), em áreas isoladas no fim do dia.
Shakespeare e Goethe que me protejam das cumulonimbus viscerais.

sexta-feira, abril 13, 2007

terça-feira, abril 10, 2007

segunda-feira, abril 09, 2007

Espelho e avessos

É. O que dizer? Se nem tudo que penso fá-lo. E pra quê? Se quase nada que digo se ouve.
E por quê? Tem alguma importância se nem eu degusto o que cogito?
Zip. E já lembro uma cena de filme. Zap. Cantarolo um jingle da moda.
Tudo ao mesmo tempo agora borbulhando em temperaturas vesuvianas.

...

Hoje faz quatro anos que ela não está mais aqui. E há dois anos percebi que não estaria mais pra eu dizer o que nunca disse antes.

...

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.

...

Mas ela está aqui comigo. E descansa em paz.

...

- Cinza!

- Não! Vermelho!

- Cinza!

- Não! Laranja!

- Cinza!

- Não! Azul! Verde! Amarelo!

Palavras de Qfwfq, personagem de Patrícia Selonk e Ali, personagem de Fabiano Medeiros na peça “Casca de Noz” do Armazém Companhia de Teatro. Inspirada em seis contos de Ítalo Calvino, essa produção aborda nossa inquestionável fé na ciência, e com bom-humor nos conduz a rir de nossas certezas. Nossa necessidade de segurança. Mesmo que essa segurança seja cinza. Axiomas.

...

Zip.

Moacyr Scliar, não te esqueço.

Zap.

“Não quero te magoar”. Clichê.

Zip.

Ângela Ro Rô. Sons e dissonâncias.

Zap.

Febre que não passa. Passa, já passa. Deixa, deixa. Banho frio. É o jeito.

Zip.

A escada. O espelho. Os avessos. Dicotomias.
Forma e conteúdo. Discurso e prática. Guimarães. Machado.
Pizza e Páscoa.
E tudo é vaidade.

...

Segunda-feira: “Não reconheço essa conta de telefone”.
Comprar pilot. Ir à Receita. Descongelar geladeira. Ler dois contos. Assistir ao filme que estreou. Arrumar gavetas.

...


Todas as palavras já foram ditas em cartas ou e-mails ridículos.
Mas se a vida é muito curta pra ser pequena, eu quero é mais.
Então Ângela me conforta. É o jeito.

“Mais foi a primeira palavra que eu me repeti intensamente na minha infância ‘Maisi, mamãe, maisi, mamãe’. Fosse guaraná, fosse coca-cola, fosse coca, fosse cola, fosse amor ou desamor ou qualquer outra espécie de dor. Eu quero mais ser imortal, quero ser o meu futuro ancestral. Quero mais Tabacaria, mais Pessoa, mais Maria, mais vinho, mais poesia.”

Luz quero luz
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
São palcos atrás
Arranca a vida
Estufa a veia
E pulsa, pulsa, pulsa
E pulsa mais.
Mais quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
E os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca vida
Estufa vela
Me leva, leva longe
Me leva mais

Obrigada pela atenção.

terça-feira, março 27, 2007

sexta-feira, março 23, 2007


Fim-de-semana

Entro na van que segue por esta artéria urbana de nome oracular: Linha Vermelha.
Ou fio da navalha?
Fiapo que separa (???), de um lado, "um centro de desenvolvimento científico e tecnológico para a sociedade brasileira", sob a efígie da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e, de outro, uma parcela dessa (mesma!) sociedade. Brasileiros hermeticamente acondicionados num bolsão térmico em temperatura ambiente desse Rio 40º graus à sombra.
Alinhavo mal cosido. Nó cego nessa chita que se esgarça.
Tapa na cara de Minerva. Maré à margem. Miragem e guerra.
Imagens. Amálgama de desejos e dor.
Fotografia que nos assusta e encanta por alguns segundos. Ao longe.
Nos aponta e acusa (e alcança). Omissão e preguiça! Passamos a salvo.
Alívio. Suspiro sob o céu roxo de fim-de-tarde de fim-de-semana de fim-de-estação.
Apatia compartilhada e agradecida. Cada um com seus problemas... Cada vez mais de todo mundo ao mesmo tempo agora.
E retorno ao batuque de Rita:
“Tempo de silêncio e solidão”.
Contratempos íntimos. Intempéries pessoais sob ameaça de garoa alheia.
“Tempestade louca no Saara”
Só Magritte me busca. De mim. Em tempo real. Tons surreais impressos. Imprescindíveis.
Vou pra casa com esse cheiro de chuva e gosto de maçã que têm me acompanhado a semana. Arrumar gavetas. Ouvindo:
“Eu tenho um sapato branco/E um riso amarelo"
"Eu não tenho tempo/ De me ver chorar”
Porque eu (ainda) sei voar.

terça-feira, março 20, 2007

sexta-feira, março 16, 2007

quarta-feira, março 14, 2007

Nada como um post depois do outro...

Nada como um post depois do outro.
Este deveria ter sido o título do meu artigo anterior.
Uma alusão explicita à tentativa de suavizar o tom aborrecido, quiçá rabujento de meus últimos rascunhos.
Intenção que agora retomo, visto que foi imediatamente abandonada ante o inominável.
Ao devastador efeito dos estilhaços que nos alcançam por meio de manchetes impressas, flashes televisivos, ou de janelas virtuais, venham de Bagdá, Bogotá, ou desta cidade - fratricida, fraturada chamada Rio de Janeiro.
Ah! Esta Gaia que devora os próprios filhos e os regurgita tal qual uma releitura antropofágica abortada. Tautologia.
Como conseqüência perplexidade, inércia e letargia. Pleonasmos que ratificam o olhar embaçado, o peito encolhido e as mãos quietas.
E, no entanto somos intimados por nossos gurus midiáticos a manter o pensamento positivo haja o que houver extirpando qualquer vestígio de melancolia, rotulada por nossa eficiente indústria farmacêutica como sintoma inadmissível de uma inconveniente depressão ou uma improdutiva síndrome do pânico, que devem ser indubitavelmente tratadas com os mais recentes lançamentos tarja preta de seus laboratórios.
Então seguimos em frente como o querem nossos sorridentes profissionais de psicanálise prêt-à-porter, (auto–ajuda para os íntimos).
E me flagro cantarolando o samba-enredo do último carnaval (lenitivo imprescindível a que nos permitimos e pelo qual nos perdoamos).
E reconheço conquistas alcançadas, pelas mulheres, por exemplo, que têm um dia marcado no calendário, o direito de ostentar a dupla jornada e a metade dos salários. Nem sei porque falo nisso. Faz uma semana e esse assunto de direito da mulher já ficou velho, varrido para o sótão jornalístico por mais um noticiário hemorrágico...Mas sim ainda temos a poesia! E hoje, eu disse hoje, é dia da poesia e embora eu tenha a imperdoável inclinação para recordar Anjos que são Augustos:

Chama-se a Dor, e quando passa, enluta
E todo mundo que por ela passa
Há de beber a taça da cicuta
E há de beber até o fim da taça!
Há de beber, enxuto o olhar, enxuta
A face, e o travo há de sentir, e a ameaça
Amarga dessa desgraçada fruta
Que é a fruta amargosa da Desgraça!
E quando o mundo todo paralisa
E quando a multidão toda agoniza,
Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno
De agonizante multidão rodeada,
Derrama em cada boca envenenada
Mais uma gota do fatal veneno!

Reconheço que somos possíveis enquanto admitirmos como um Caju adocicado:

Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
Que ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia
E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio pra dar alegria.

terça-feira, março 06, 2007

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

“Nada a declarar”.
Silêncio e sons. Só.
Como Lulu, Jiddu e... Djair às gargalhadas nas águas de Cabo Frio.
E tudo estaria dito, expresso, confesso, explícito.
Mas se o grito está aqui latente dissolvido entre as conversas rotineiras, comodamente pulverizado nas crônicas das férias e perfeitamente enquadrado nas brechas permitidas pelos campeonatos de futebol, desfiles de carnaval, ou realities show pavlovianos, sempre em horário nobre. O que fazer?
Psiu! Cala boca senão eu berro! É o que eu diria Mas claro, não digo. E me abrigo. Só.
Eco!!!
Reverbera esse burburinho feito redemoinho dentro de mim.
Me ofusca o pensamento.
Ruídos surdos e constantes, subterrâneos, crônicos e persistentes. Vozes veladas no vazio insustentável do ser.
Silêncio. Diante do susto. Assombro diante de uma barbárie.
Mas falamos tanto e não dizemos nada. E mergulhamos em monólogos simultâneos que impedem o encontro. Por que não ouvimos o que o olho vizinho sussurra.
E vamos às palavras, às conversas que nos aliviam de nossos incômodos diários. Discursos pertinentes, coerentes e adequados.
É que precisamos de algum lenitivo.
Mas qual?
Silêncio...
Silêncio?
Silêncio!
Só.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

quarta-feira, janeiro 10, 2007

terça-feira, janeiro 02, 2007

A nós mesmos!!!

Sobrevivemos! Mais um ano escorregou por entre nossos dedos. Provando o quanto somos coadjuvantes da própria vida.
E o quanto, por maior que seja a dor, ela passa.
E para desespero de nossa veia dramática, percebemos que, no fundo, era menos dor que qualquer Pessoa nos poderia inspirar.
E chega ao fim. O ano. E se renovam as ilusões de que o calendário tenha algum efeito mágico sobre os humanos, estes seres superiores cuja maior proeza tem sido produzir maravilhas tecnológicas que para existirem ameaçam seu próprio inventor.
Mas sobrevivemos! À incoerência, ao cinismo, à intolerância, às guerras, ao poder.
E assim subvertemos o desfecho a que a decepção, a descrença, o medo, o ceticismo e o cansaço poderiam nos levar (o fim da História?). E vamos à praia. Ainda.
Sobrevivemos às notícias, à mídia, aos fins, aos meios, ao fatalismo, à economia, ao mercado, ao trabalho, ao mercado-de-trabalho,
à acidez Dogville, a nós mesmos.
Sobrevivemos às propagandas a irrigarem olhos e bocas, às compras, às filas, às liquidações, às parcelas (que carregaremos pelas próximas faturas), às festas, aos parentes distantes (abraços que nos alcançam...), às comidas, às bebidas, e ainda temos que agradecer por tais aborrecimentos inerentes a nosso modus operandi.
Alguns vizinhos, do andar de baixo da pirâmide, sobrevivem à fome, à sede, à chuva, à indiferença, às diferenças, ao (su)posto de saúde, à falta de (qualquer) trabalho.
Sobrevivemos aos ônibus-crematório, às balas certeiras, ao réveillon do samba retocado (???) misturado ao hip hop açucarado à moda barbie. Êta imperialismo onipresente. Será o Benedito?
Ao vazio que as festas não preenchem, ao silêncio que os fogos de artifício não calam, à saudade de uma alegria abortada que sorrisos adultos não conhecem.
Sobrevivemos e sobreviveremos a mais um ano que se inicia para, ao final contabilizar vitórias comezinhas como uma pós-graduação, mudança de cargo, ou mais um flerte inconseqüente.
E eu, esse Abaporu anacrônico, afônico e mal-pago apenas suporto e me comporto sob os proparoxítonos rituais civilizatórios contemporâneos.
Portanto, mais que nada, mais que nunca, que mais resta? Em uma tarde chuvosa de 1º de Janeiro, me socorrem as memórias de Dom Casmurro, e Renato distraído, tranqüilo, e tão contente. Então viro a folhinha, confiro a validade de meus ácidos, alinhavo algumas idéias sem prumo (sublimação necessária) e respiro fundo que amanhã encaro o batente cedo.