terça-feira, outubro 31, 2006

Batom cor-de-boca

Por que logo hoje saiu esse sol tão claro? Ele não combina com a minha sombra grafite. Nem com meu humor ácido, ou meu sorriso amarelo. E esse cartão vermelho que ganhei? Fiquei pálida...
Mas continuei caminhando pelas ruas coloridas de verde-amarelo.
Ou será anil-encarnado?
Dói na vista o que não quero ver: essa felicidade alheia e incômoda. Essa maquiagem borrada de fim de nigth. Essa festividade controlada (necessária) regada a chope e esperanças midiáticas, sutis e brutais por isso mesmo.
Quero que a chuva venha e lave e leve e não releve, e revele, tal como Will Eisner numa noite dessas, aquilo que usamos o sol de domingo para esconder: eleição mais besta, mais sem sal esta, mais desbotada, mais sem paixão, mais burocrática. Vida que segue aceitando-se o discurso das boas maneiras, adaptando-se às convenientes convenções, enquadrando-se na cômoda pasteurização cotidiana.
E eu num café noturno, ou num bar da Lapa, quero ainda que me invadam os girassóis inquietos de Van Gogh, gritando: "chega da razão que me sufoca e me agrilhoa!".
Eu preciso desses tons surreais, das flores de Baudelaire e da voz da cantora careca. Eu preciso de um desafino, uma microfonia que seja, eu reclamo, faço cara feia, mas existo. Quero vozes dissonantes, arco-íris, conflito e alegria. Quero a troca, porque toda pessoa sempre é a marca das lições diárias de outras tantas pessoas. Quero o toque, a conversa, as mãos e os abraços. Quero todo amor que houver nessa vida. Não quero ter medo de sorrir para um estranho na rua. Nem de fazer amigos pela Internet que vou encontrar em carne e osso, ou vice-versa. Nem ter vergonha de minha melancolia. Nem pedir licença para sentir. Tal como Frida, criar novos trilhos por onde seguir. Não vou passar em brancas nuvens, né, Zeca?
Não quero o Prozac como antídoto do Lex, que embotam a criatividade. Ou o batom cor-de-boca. Quero o Flaubert de Bovary. Por que eu gosto dos que têm fome, dos que secam de desejo, dos que ardem, e digo aos jovens: envelheçam! Mas não oxidem. Não suas idéias! Não tão cedo, não tanto. Não à homogeneidade. À moda. Ao padrão. Aos ismos, às regras sem exceção. Aos regimes de exceção. Regimes? Só exceção! E leiamos o diário do jovem Werther.